A morte é um dia como os outros - só que acaba mais cedo.
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Armando Pantera estava doente e não sabia. Era doença de gente fina porque tinha nome e apelido. Mas era pouco conhecida, só muito recentemente a Encefalozero Aguda tinha começado a ser estudada pelos especialistas. Sabe-se, por exemplo, que o cérebro deixa de respirar, porque os neurónios que fazem a diferença estão desactivados. E que os outros - os poucos que sobram e são conhecidos por neurónios preguiçosos - apenas se ocupam de rotinas, trivialidades e, na fase terminal da doença, de conversas sobre mulheres e futebol. Sabe-se também que não escolhe raças nem religiões, mas ataca sobretudo o sexo masculino. (...) Na maior parte das vezes, os portadores de EA só são traídos por uma expressão que repetem sem parar.
- Tu não estás bem a ver! - dizem eles.
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O apartamento tem vista sobre a solidão. As pessoas cruzam-se nos elevadores, é "bom dia", "boa tarde", são vizinhos, mas não se conhecem, cada um fechado no seu mundo. As crianças, quando não estão na escola, vivem trancadas na rua. Os jovens, nos intervalos da rebeldia, matam o tédio nas esquinas. Os velhos, esquecidos em quartos atrofiados, contam os dias que faltam para a casa de repouso. O desemprego mora em muitas famílias, os biscates são o pão nosso de cada dia. É um mundo triste, tão triste, que até dói.